Páginas

sábado, 3 de abril de 2021

Dizem Que é Terceira Idade, Mas Ainda Não Envelheci

Não preciso dizer que meu corpo está envelhecendo para que alguém perceba. Está literalmente na cara. E não é por causa dos meus cabelos grisalhos, eles só reforçam o que de repente ficou evidente. É, foi assim, de uma hora para outra.

Eu estava chegando aos 60 anos e, ao olhar no espelho via as mesmas feições de sempre. Lógico que a essa idade é impossível não se ter mudanças no corpo e no rosto, mas apesar delas eu continuava reconhecendo aquele rosto e o corpo (inclusive a mesma oscilação de peso, 2 kg para mais ou para menos, desde meus 18 anos), o mesmo olhar, o mesmo sorriso, e até os 59 anos, a cabeleira mantendo o tom castanho, do médio ao mais escuro, variando de tempos em tempos o corte e o tamanho, por opção. 

Logo que entrei nos 59 anos descobri que havia um intruso indesejável no meu seio direito, um carcinoma invasivo. O que resultou numa longa história que só ela dá um livro, mas vamos voltar a esta conversa. Por consequência da quimioterapia, dois meses depois eu não tinha mais nenhum fio de cabelo. O que ainda não revelei é que, próximo aos 40 anos já haviam fios brancos, e nessa época percebi que estavam aumentando rapidamente, com isso, passei a pintar os cabelos antes que esses fios ficassem evidentes. Então, já no final das seções de quimio, quando eles voltaram a crescer... opa! Não vi mais a minha eterna cabeleira, eu só tinha penugens brancas. Mas isso não me incomodou, sempre gostei de cabelo platinado, desde que tivesse brilho. Além dessa novidade, ao olhar no espelho eu não via cílios e as sobrancelhas eram praticamente inexistentes (em relação a estética essa foi a pior parte, era muito estranho). Sem contar as olheiras mais escuras e profundas. Inevitável não estranhar aquele rosto. 

Farei um aparte, isso não me entristeceu, apenas eu não via mais aquela "beleza" (entenda-se: juventude) que havia me acompanhado até então. O que não me agradou, mas não há espaço para tristeza por ter perdido a "beleza" quando você ganhou o prêmio de poder continuar viva. Apesar do meu rosto não ser o mesmo de antes eu radiava felicidade. Essa mudança fez parte da minha luta para continuar neste mundo. Deus me deu oportunidade para crescer mais e melhor interiormente. Se a estética já estava em segundo plano, agora isso ficou mais forte. Não que eu tenha perdido a minha vaidade, continuo procurando melhorar as imperfeições e dando cores a onde cabe. Isso ajuda a ser mais agradável visualmente, mas o que nos torna verdadeiramente agradável é nossa essência do bem. Perceba como é comum uma pessoa se sentir atraída por quem não tem o seu padrão de beleza física, mas irradia boas energias.

Aos poucos os cabelos escuros foram aparecendo, e meses depois minha cabeleira já não estava mais branca, e sim grisalha. Resolvi não voltar a pintar. Não sei se esta decisão será para sempre, mas por enquanto,  estou curtindo a liberdade de não ter que a cada 20 dias pintar os cabelos. Isso para mim foi libertador. Detesto seguir regras desnecessárias, e ainda assim, me envolvi numa imposição, por ser regra para maioria, que é esse detalhe de esconder os cabelos brancos, e isso me incomodava.

Quatro anos antes de descobrir o câncer, uma bactéria provocou uma infecção no meu olho esquerdo, o que levou a necessidade de um transplante de córnea com urgência. Esse deixou o meu olhar esquerdo diferente do direito. 

Então, foi assim que vi a velhice chegando de um dia para o outro. A maioria das pessoas tem um processo gradativo, as mudanças vão acontecendo sem que se perceba. Eu, num ano era a mesma de sempre, meses depois aquele rosto já não estava mais no espelho. 

Além do mais, tenho outro histórico em relação a saúde que me acompanha desde os 19 anos e que vem acentuando há seis.

Apesar de tudo isto, ainda não envelheci. Como falei no início é visível que estou envelhecendo, e que vi mudanças no meu rosto de uma hora para outra, mas ainda vejo juventude, mesmo com as mudanças relatadas. As sobrancelhas e os cílios voltaram, e ao olhar no espelho, muitas vezes vejo um olhar maroto, um sorriso de menina sapeca, continuo amando movimentar meu corpo, adoro novidades, que sejam: no estilo musical; na moda; na tecnologia..., enfim, tudo que é inovador, e na minha concepção for de bom gosto. Sem contar o mais importante, que é o prazer em viver, o amor que sinto por tantos que convivo, diariamente ou esporadicamente, a inquietude que me leva a sempre estar aprendendo algo. Cada vez mais desejo o bem do outro, cultivo o bom humor, (isso também nos mantém jovens, pois afasta a avareza, característica que envelhece). Tudo isto me traz muito amor próprio. Sem nenhum egocentrismo, eu me adoro. Adoro não deixar que tristes acontecimentos (depois do luto inevitável e necessário) me tirem a alegria de viver, adoro a minha própria companhia, os meus pensamentos do bem, minha paz interior, minhas inquietudes, meus múltiplos universos e, principalmente minha conexão com Deus e minha fé nEle. É impossível você não se sentir jovem com esse pacote.

Nada disso me faz melhor que ninguém. O que eu sinto e vivo é permitido a qualquer pessoa que decida seguir este caminho.

Por tudo isto, repito, ainda não envelheci. Você que é jovem pode até me achar velha, mas para mim, este mero detalhe de eu ser um tanto mais velha que você, e de estar caminhando para os 62 anos, não determina velhice.

BeatrizNapoleão