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quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Meu irmão Mario

Um mês e sete dias após eu ter nascido meu irmão Mario completou 12 anos. Quando eu estava entrando na "pré-escola da vida", ele já estava na pré-adolescência.

Mario viveu 12 anos sem minha existência, no entanto, depois que eu entrei em sua vida ele foi plantando amor em mim, e cultivou esse jardim de amor até os dias de hoje.

Lembro que aprendi com ele, quando eu ainda era muito pequenina, todas as capitais dos Estados brasileiros, e nunca mais esqueci. Fico imaginando a paciência dele repetindo tudo para mim diariamente. Na época da minha adolescência ele me falou que isso ocorreu quando eu tinha dois aninhos. 

63 anos se passaram, desde que nasci. Durante esse período por quatro momentos de nossas vidas moramos em cidades distintas, mas nunca perdemos o elo, nem o sentimento de amor recíproco. 

Sempre atento ao meu bem-estar, torcendo por mim, me defendendo, e fazendo algo para me ajudar. 

Quantos filmes e shows assistimos juntos? Impossível lembrar! Tantas conversas, passeios, viagens, jogos, tantas brincadeiras e gargalhadas. Ah Mario, como eu amava dançar com você! Eu me sentia leve, parecia flutuar, sem falar no cheiro gostoso que exalava enquanto seu corpo aquecia com os movimentos da dança. E os nossos devaneios, viajando em conversas malucas - haja gargalhadas! E quando um de nós dois começava a cantar uma música e parava na primeira frase para o outro continuar a frase seguinte, e assim ficávamos intercalando até o final da música ou até onde sabíamos cantar - algumas vezes inventando partes da letra, por não saber toda e não querer parar a brincadeira. 

Quantas conversas com um "Biá, eu sei que tu me entende, consegue chegar na dimensão do que eu tô dizendo, porque nisso tu é igual a mim, tem a mesma sensibilidade". 

Eu não fui a única privilegiada da família. Mario sempre amou e sentiu prazer em estar com as irmãs e os irmãos, sobrinhos e sobrinhas, cunhados e cunhadas. 

É, meu irmão! A vida não para de dar voltas e vai trazendo surpresas boas e más. Vieram os problemas de saúde. Entre eles, o do coração, mas nesse caso, nada que uma ponte de safena não resolvesse, pelo menos por uns bons tempos. O que não lhe impediu de continuar curtindo a vida como amava fazer. Depois do primeiro AVC você já não tinha mais tanto equilíbrio, o impossibilitando de fazer longas viagens, dirigir e de dar seu show na dança (mas não de dançar), contudo, todo o resto continuou fazendo parte da sua caminhada. Afinal, não reclamar da vida, pensamento positivo e alegria sempre foram os seus lemas. 

Apreciador das artes (adorava desenhar e pintar), música, balé, filmes, teatro. Amava a natureza e os animais, viajar, e tantas outras coisas. Coisas que farão eu lembrar de você. 

Um homem de grande sensibilidade, bom gosto, vaidoso e de um coração enorme, onde sempre guardou toda a sua família e um batalhão de amigos. Quanto amor deu e recebeu!

Que coisa linda o amor e a relação que você sempre teve com cada amigo e amiga. Morou em São Paulo por mais de 23 anos, onde fez inúmeras grandes amizades. Voltou para cá há 32, e até hoje mantém constantemente contato com vários dos amigos que por lá deixou. Quando voltou para Fortaleza resgatou as amizades antigas e fez novas, que duram até hoje.

Não quero perder o vínculo com seus amigos que tantas vezes você me levou a encontrá-los em sua casa, nas deles, ou em alguns lugares da cidade, durante anos. Quero vê-los de vez em quando. Neles encontrarei mais uma maneira de estar lhe vendo. Isto é principalmente para vocês, Armando, Beto, Carlos Augusto, Cecília, Dora, Eliane, Franchesco, Guilherme, Jorge Ary, Jorge Eloy, Nathalia, Péricles, Rossana, Sandra, e Zé Cláudio. E com os amigos de São Paulo que eu estou tendo contato virtual, Amaury, Dedé, Eduardo, Mira, Maja, Sérgio, Sira e Zilca. E agradeço a todos por tudo que fizeram por ele. Vocês o fizeram mais feliz.

Por mais que eu tenha ciência que você já não voltará para casa, antagonicamente eu ainda não acredito que não vou mais poder ligar para você nem vou mais receber suas vídeo chamadas - quando muitas vezes você dizia "faz tempo que tu acordou agora?" -, muito menos lhe ver em sua casa ou aqui. E quando for por volta do dia 15 de cada mês não estarei mais com o seu celular em mãos para fazer seus pagamentos no app do seu banco. Será que você agora entende que não tinha sentido você pedir desculpas por estar me incomodando? Será que você agora entende que isso era um prazer para mim? 

Dia 19 de dezembro de 2022, você esteve aqui final da tarde para fazermos mais um pagamento. E esse foi o dia do nosso último abraço, e a última vez que beijamos nossos rostos. Quem dera voltar no tempo e lhe apertar em meus braços por mais alguns instantes! Logo depois que você saiu daqui foi para o hospital. Estava sentindo muita dor abdominal, achava que era gases, mas era algo terrivelmente sério. 

Eu sempre lhe amei muito, e sempre amarei, mesmo depois que você se for. Este amor estará vivo dentro da minha cabeça e do meu coração. E Deus permitirá que eu envie as melhores energias para você através de orações.

Estou sofrendo muito com a  notícia de que seu estado de saúde é irreversível. Mas em minhas reflexões cheguei a conclusão que devo agradecer por este sofrimento. Se dói tanto é porque eu gostaria que você permanecesse por mais uns anos conosco e, se este era o meu desejo é por ter sido prazeroso o nosso convívio. Com isso, e por eu mesma me intitular de "rainha do paradoxo", farei jus a esse título e direi que esta tristeza está me trazendo uma alegria, branda, mas consigo senti-la acalmando a minha dor. Sabe por quê? Porque quando vem certas lembranças que me fazem chorar, primeiro permito o desabafo, logo depois as lembranças vão me envolvendo em sorrisos e enchendo meu coração com mais amor, e aos poucos este sentimento vai me acalmando e me trazendo gratidão pelo privilégio de eu ter tido tantos momentos maravilhosos ao seu lado.

Obrigada, meu amado e queridíssimo irmão! Quando você chegar na sua nova morada que viva cercado de amor como viveu aqui, e que desfrute da verdadeira Paz.

Obrigada, meu Deus! Por ter consentido eu ter um irmão como o Mario. Abençoai o meu irmão, Mario Antônio Pio Napoleão!

26 de janeiro de 2023

BeatrizNapoleão 

domingo, 15 de janeiro de 2023

No Momento da dor

Sou racional

Sou fatalista

Sou resiliente

Sou equilibrada

Mas neste momento não quero ser nada disso

Pois também 

Sou emotiva

Sou sensível 

Sou amorosa

E o que quero e preciso agora é ser só emoção 

Quero apenas sentir

Sentir a dor que vem do amor

Não que o amor provoque dor, neste caso, a dor brota pela ausência do ente amado. 

Ela vem quando o vento da finitude começa a soprar sobre quem amamos, e vai tomando forças virando um forte vendaval, para assim tirá-lo do nosso convívio e levá-lo para sempre para um plano inalcançável para nós enquanto somos carne e osso.

Quando você quer fugir da realidade iminente, porém vem flashes de pensamentos de uma vida inteira, e você afasta essas lembranças tentando evitar o sofrimento, é assim que se forma um nó na garganta. E cada vez que os pensamentos voltam insistentes e você persiste afastando-os, o nó cria mais volume e resistência. 

Eu não quero ouvir "Não fique pensando! Não chore!" 

Se eu afastar os pensamentos para evitar o choro, no lugar dele se formará um nó na minha garganta, e nela ficará preso, me asfixiando. E para não me asfixiar devo engoli-lo. 

Se alguém quiser falar algo, que seja "Chore! Deixe suas lágrimas lavarem essa tristeza angustiante que está provocando um vazio cruel dentro de você. Chore! Pior será engolir o choro e ir empurrando o nó da garganta até suas entranhas deixando-as terrivelmente emaranhadas, dificultando por anos que o nó seja desfeito".

Por isso resolvi permitir que esses pensamentos venham. Venham e demorem o tempo necessário. Resolvi dar as mãos, a direita agarrada aos pensamentos, deixarei que me levem a percorrer o passado, do mais recente ao mais remoto, permitirei até que me façam chorar de saudade, mas numa condição, enquanto a mão direita estiver sendo a ponte que leva recordações para o meu cérebro, darei minha mão esquerda para a gratidão, e essa mão será a ponte que condizirá a gratidão ao meu coração. 

BeatrizNapoleão